Sabe aquela hora em que você recebe uma notícia péssima? Quando acontece um problema material, tipo uma grana que você perdeu, uma dívida que você não esperava, uma casa que caiu, coisas assim, você se desespera. Mas, e quando a notícia é sobre pessoas? Como você reage?
Nos indignamos com a corrupção, com o preço do pão e da gasolina e da cerveja e do feijão. Mas, nós, os jovens, estamos perdendo a batalha para o crack, para a violência até mesmo por parte daqueles que deveriam prezar pela nossa integridade, os policiais. Um monte de jovem negro tomba nas periferias pela doença e pela bala. O que você acha disso? Você acha alguma coisa disso?
Na casa ao lado da sua, seu vizinho pode ter morrido há cinco dias e você nem percebeu porque você “nem fala com ele mesmo”... Você já cumprimentou alguém hoje? Não! Não tô falando em seu trabalho ou na sua escola ou na academia. Não tô falando daquele bom dia forçado para as pessoas não te acharem grosso. Você deseja realmente que as pessoas tenham um dia bom?
A quem interessa os programas de tevê que escorrem sangue? Eles são produtos. Se eles são ofertados é porque tem demanda. Quando você assiste eles você pensa no que fazer pra mudar aquela situação? Dar uma dimensão humana pra vida é tão necessário quanto comer. Você conhece seu corpo? Sabe quantos dentes você tem, né? Você se doaria por alguém? Talvez, eu sei. Mas certamente olha um cadáver na televisão com a distância devida. Não é seu filho nem seu pai nem ninguém conhecido, então, que vire estatística!
Você lembra em quem você votou nas últimas eleições? Não? Não é surpresa; pouca gente lembra. Mas o eleito lembra e pode estar agora mesmo fazendo mais uma lei pra você cumprir ou recebendo dinheiro “pra comprar panetone”. Você acompanha? Não, né? É mais fácil reclamar mesmo. Botar a culpa em outra pessoa, melhor ainda! O que você quer mesmo é ganhar dinheiro, ter uma vida bacana, dar segurança pra sua família, enfim, quer tudo que todos querem.
Quantas vezes você passa por moradores de rua? Quantos deles têm filhos? Quanta segurança eles tem? Quantas vezes e o quê eles comem por dia? Você nunca pensou nisso né? Mas eles pensam. Imagine seus filhos ou irmãos passando fome e morando embaixo de marquises de lojas onde você gasta seu dinheiro. Pensou?
O que eu quero mesmo é descobrir onde estão os humanos. Quero continuar tendo uma fé inabalável no futuro da humanidade. O problema é que o Presente apresenta só as imundícies. É duro ter esperança em tempos de causas perdidas que custam várias vidas, de desespero cáustico, de guerras inúteis, de injúrias cruéis e depressões. É difícil ser terno em meio a tanta desumanidade. Você acha que esses dragões que devoram a humanidade são reais? “Tudo bem, até pode ser que os dragões sejam moinhos de vento”*.
Sei que continuo lutando e vivendo e respirando e trabalhando e amando até que não tenha mais força e aí, vai ser tempo de recomeçar. Espero que até meus ossos possam ser úteis plantas e vermes e lutarei pra ser humano e orgânico até o fim.
“[...]Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?[...]”
Álvaro de Campos – Poema em linha reta
*Trecho da Música “Don Quixote” – Engenheiros do Hawaii