20/03/2009

Religiões de Matriz africana. Sincretismo, pra quê?

A liberdade religiosa está assegurada no art. 5º, inciso VI, que textualmente diz que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Qual a necessidade então, nos dias atuais, da manutenção de um mecanismo de defesa da integridade religiosa do culto trazido pela ancestralidade africana para o Brasil?

Em meio a escravatura, regada pelo sangue negro traficado da África, conhecida pela barbárie da aculturação, colocar Oxossi sob o escudo de São Jorge e Yemanjá sob o manto de Nossa Senhora, entre outros, era fundamento para manter intacta (até certo ponto) a cultura que os negros aprenderam oralmente pelos seus pais e mães, avós e avôs, pelos seus ancestrais. No entanto, hoje presenciamos o aprofundamento do estado democrático de direito. Qual o motivo para, querendo se desvincular, os adeptos das religiões de matriz africana esconder seus deuses debaixo dos santos cristãos? Nada os impede a não ser a própria cultura do sincretismo.

Na Bahia, estado que certamente recebeu a maior leva de escravos negros, o sincretismo chega a soar acintoso: babalaôs dão banho de pipoca em fiéis antes da missa católica em louvor a São Lázaro (sincretizado como Omolu); as mães-de-santo “lavam” as escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim (sincretizado como Oxalá); os tambores e as cantigas do candomblé animam celebrações. De longe essa não é uma manifestação ruim, pelo contrário, a tolerância religiosa é uma das melhores formas de boa convivência entre as diversas manifestações de fé, no entanto, a simbiose dos cultos incorre em clara ameaça à cultura africana. Especialmente quando o sincretismo, para além dos interesses dos adeptos às religiões de matriz africana, cumprem também o papel de servidores do opressor cristão.

Um exemplo grandioso do malefício causado pelo sincretismo é a associação de Exu ao Diabo cristão. Pela mitologia africana, Exu é o orixá mais humano dos orixás e, como um humano, é cheio de contradições. Dessa forma, segundo a mitologia, Exu é benevolente com quem lhe favorece e é maléfico, traiçoeiro com quem lhe devota igual tratamento. O símbolo de Exu é um pênis ereto e/ou um tridente e suas imagens normalmente são pretas e vermelhas. Considerando esses fatores, é de se concluir que o Cristinanismo – católicos e evangélicos na sua maioria – admita de maneira maniqueísta que tal figura esteja impedida de representar um ser santo, “iluminado”. E, com isso, se encarregou de satanizar Exu e, por tabela, demonizar os adeptos do candomblé e afins.

É necessário que os praticantes de religiões afro levem em consideração que o paradigma mudou. Para defender a cultura afro descendente é necessário que se faça o cainho inverso, o da desvinculação de fatores externos. Ainda hoje, a oralidade é a forma de difusão do aprendizado ancestral mais difundida e, portanto, o contato com a própria história é o que pode defender a cultura afro-brasileira do fim trágico. Não há o que se aprender sobre os ensinamentos de Olodumaré se ele nem sequer é mencionado a não ser como o Deus renascentista, branco, de cabelos igualmente brancos, olhos azuis e sentado num trono dourado pairando entre as nuvens, imagem com a qual não há qualquer identificação entre a maioria negra baiana e brasileira.

Não há que se repulsar as velhas formas como os negros vêem mantendo sua cultura, vinda dos seus antepassados, de boca em boca, embaixo de santos bancos, escondidos nas brenhas do mato, mas há sim, que começar o movimento de manifestação do orgulho afro descendente, respeitando obviamente a opção de quem manifesta sua fé de outras maneiras, trazendo a tona o que não há mais razão para se esconder.

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